As animações Japonesas, mais comumente chamadas de ‘Anime’, hoje em dia fazem parte da cultura pop, conhecido e reverenciado por pessoas de todas as idades de maneiras sem precedentes, com diversos eventos, canais com informações e conteúdo facilmente encontrado para o consumo. No entanto, houve uma época em que não havia conteúdo sobre o assunto, o seu consumo e reverência era cultuado por um número muito pequeno e segregado de pessoas, vistas como histriônicas, em um época que animações japonesas (o termo Anime ainda não era difundido) e jogos de videogames estavam no sub-mundo, algo de que as pessoas normalmente escondiam. Nesta Idade das Trevas que começaremos a nossa jornada para entender melhor a história desse formato de mídia que se popularizou tanto no decorrer dos anos, fazendo do Brasil o país que mais exibiu produções Japonesas no mundo.
Começamos a jornada antes do que provavelmente você iria imaginar. Os anos 60 viram as primeiras animações e live-actions aparecerem nas TVs-Tupiniquins, com Gigantor, O Homem de Aço (1963), Oitavo Homem (1963), dentre outros. O primeiro título que fez sucesso de fato, no entanto, não foi uma animação, mas sim a série National Kid, que foi exibida no Brasil em 1964 pela TV Record, repercutindo muito mais por aqui do que no Japão. Isso abriu as portas para mais produtos do Japão, como Speed Racer, Capitão Harlock e a Nave Arcádia, Zillion (que teve parceria com a TecToy por aqui) e A Princesa e o Caveleiro, dentre outros. Estas produções tinham baixo custo para as emissoras, sendo que o seu sucesso foi visto com surpresa, mas com gosto, pelas empresas licenciadoras. Entretanto, em 1970, um decreto lei fez com que diversas séries estrangeiras recebessem censura e proibição, como vocês pode ver com seus próprios olhos neste link. Com isso, a expansão de animações e mídia em geral foi freiada, ficando dessa maneira quase uma década.
Após este momento tenebroso, os anos 80 chegaram com a TV Manchete e o seu programa Clube da Criança investindo pesado nas animações japonesas como Don Drácula, além de Tokusatsus, como Jaspion, Jiraya e Lion Man. No Japão os Animes começaram a realmente explodir, com o estilo Mecha virando uma febre completa no país. As séries Gundam e Macross lançaram diversas obras que, por muitos, constinuam as melhores séries do estilo já criadas. Também foi a época de ouro dos OVAs, com dezenas de obras primas sendo produzidas, como Akira, Ghost in the Shell, Royal Space Force, Macross ‘Do You Remember Love?’, Näusica Valley of the Wind, dentre muitas outras. Tokusatsus também começaram a ganhar força, com vários deles aparecendo na grade das emissoras.
Foi então que em junho de 1986 entra em cena o que muitos afirmam ser o sujeito mais importante para a cena e a história do Anime e Mangá no Brasil; Sérgio Peixoto Silva. Neste ano no Bunkyo (Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa) em São Paulo foi feita a primeira exibição pública de Anime no país. Isso mesmo! Em 1988 foi feito, também pelo Peixoto, no SESC Pompéia em São Paulo, o primeiro evento de Animação Japonesa do Brasil, feito para comemorar a fundação da ORCADE (Organização Cultural de Animação e Desenho), criado pelo Peixoto e o falecido José Roberto Pereira. Neste evento, que durou 25 dias, houveram exibições de Anime, Tokusatsu, palestras e exposições de materiais de Anime/Mangá, miniaturas e Plamos. O ORCADE fez exibições de Animações todos os domingos até 2004 (16 anos sem pausas), com por volta de 600 exibições ao todo. Ou seja, nessa época pré-Internet o local onde se encontrava informação sobre o hobby era em revistas e clubes (como o ORCADE), pois o acesso à informação era ainda muito difícil. Em 1993 é feito o lançamento da Fanzine Japan Fury, criado por Peixoto, Zé Roberto para compartilhar informações sobre Anime, mangá e RPG.
O ano de 1994 trouxe a primeira explosão de popularidade dos Animes no Brasil com a exibição de ‘Os Cavaleiros do Zodíaco’. O sucesso foi tão grande que o Anime, pela primeira vez, estava adentrando a cultura pop e criando bonecos para as lojas de brinquedo. Começamos a ver fitas VHS de Cavaleiros do Zodíaco e diversas outras obras aparecerem no mercado e outros animes começaram a ser exibidos nas emissoras, principalmente na extinta Rede Manchete, como Shurato, Sailor Moon, Super Campeões, Samurai Warriors e Yu Yu Hakusho. Iniciou-se então a demanda por informação sobre esse tipo de mídia, que culminou no começo das revistas sobre Anime e Mangá no país. É aí que entra a, até então fanzine, Japan Fury. Em 1995 ela vira uma revista e passa a ser a primeira do estilo no Brasil e apresentava informações sempre atuais, em um mundo sem Internet.
Após 6 edições, no entanto, Peixoto e sua equipe trocam de editora e criam o que, provavelmente, foi o periódico mais importante sobre Anime no país. A Animax. Com 50 edições, ela foi a principal fonte de informação de Anime no Brasil, que via a quantidade de títulos aumentando vertiginosamente, com Guerreiras Mágicas de Rayearth, Slayers, Street Fighter II, Fly- O pequeno guerreiro, Dragon Ball e Astro Boy, por exemplo. No final dos anos 90 houve um bloco lendário de exibição de OVAs chamado ‘US Manga Corps do Brasil’, que passava na Rede Manchete. Os títulos eram todos de temáticas mais adultas, fortemente editados e censurados na TV, mas com a idéia de lançar as versões completas em VHS posteriormente, como Genocyber, Art of Fighting, Detonator Orgun, Gal Force, Iczer 3, dentre outros. Em 1999 houve o primeiro grande evento de Anime chamado de Animecon e ocorreu em São Paulo. Após 2 anos de Animax, Peixoto e sua trupe embarcam em uma nova aventura com a AnimeEX, revista da mesma editora de outra revista de nicho histórica brasileira, a Dragão Brasil, e que durou até 2003. Nessa revista havia até sessões com Doujinshis, que são mangás/histórias criados e desenhados por fãs! Era tudo feito com muita atenção e esmero mesmo, coisa que é mais difícil de se ver pela Internet nos dias de hoje. Se você quiser saber mais informações sobre as publicações feitas pelo mestre Peixoto, sugiro essa matéria e essa entrevista.
No começo dos anos 2000, houve um renascimento do Anime e Mangá no Brasil. Pokemon, Dragon Ball Z viraram uma febre gigantesca, a TV a cabo começou a ganhar muita força e, com isso, o Cartoon Network apresentou diversos títulos em seu bloco ‘Toonami’, lendário e lembrado até hoje por muitos. Fox Kids, Locomotion e o Canal Animax traziam diversos outros títulos. Até a Globo foi atrás e criou a ‘TV Globinho’, que exibia diversos títulos (não apenas Animes, no entanto), como Digimon, Yu-Gi-Oh, Beyblade, dentre outros. A Band trouxe o bloco ‘Band Kids’, em agosto de 2000, onde exibia ‘Dragon Ball Z’, Bucky, Tenchi-Muyo, El Hazard e outras pérolas menos conhecidas. Nessa época, no começo da década, tivemos também os primeiros mangás Brasileiros pela JBC, com Samurai X e Sakura Card Captors chegando nas bancas e criando um mercado gigante para os Mangás também, até então novidade.
A partir do meio dos anos 2000, no entanto, vimos o processo de decadência dos Animes no Brasil, com a Internet se tornando cada vez mais comum, ficou muito mais fácil fazer download dos títulos do que se aproveitar da TV para isso. Após isso, as discussões, conversas e exibições de Anime foram para o mundo digital nos Fóruns e Redes Sociais. Com o sucesso da Netflix, hoje em dia o Streaming de Animes, como o Crunchyroll, se tornaram a principal fonte de consumo de Anime no país e, talvez, no mundo. Com isso, as revistas especializadas também foram lentamente se esvaindo ao esquecimento, já que a Internet e os Fóruns traziam a informação de uma maneira muito mais rápida e prática.
O Brasil, observando a odisséia que ocorreu em sua história, teve muito sucesso em relação ao Anime, no final das contas. Tivemos muitas séries boas, adaptações maravilhosas para a nossa língua e informações criadas por apaixonados pelo hobby. Passamos de um pequeno grupo participante de um clubinho para o mainstream em uma década. Hoje em dia temos acesso a praticamente qualquer Anime, Mangá, eventos dos mais diversos e afins, no entanto, os tempos pré-internet em que éramos poucos indivíduos trocando idéias, buscando informações escassas, fazendo exibições de Anime em TVs de tubo de 14" e imaginando de montão ainda deixam saudades…
Primeiro evento do gênero no Brasil, em 1988! Otakus, uní-vos!